sábado, 25 de junho de 2011

O Conde das Três Marias

(adaptação de uma xácara que a minha avó me ensinou)

O conde das três Marias
O maior conde que havia
Tinha três lindas meninas
E à mais nova preferia.
A mais velha era uma rosa
A do meio um malmequer
A mais nova era uma santa
A quem o pai quis perder.
Prometia-lhe riquezas
E as terras que quisesse
Se lhe aceitasse namoro
Se a sua mão lhe desse.

Valha-me a Virgem Maria
Valham-me os Anjos do Céu
Esquece que sou sua filha
Que o pai a vida me deu?
Mandou fazer uma torre
Que parecia arranha-céus
E meteu a filha dentro
P’la recusa que lhe deu.
O pão era de oito dias
A carne muito salgada
Sete anos e um dia
Foi à sede condenada.

Sete anos se passaram
Só falta passar um dia
E a pobre se finando
Que a sede a mataria.

Viu-a a mãe penando assim
Quando espreitou à janela
E por despeito de esposa
Não sentiu pena por ela.
Deus a salve, ó minha mãe
E tenha mercê de mim
Dê-me uma sede de água
Que me estou finando assim.
Não te darei essa água
Filha minha, desgraçada
Por causa de ti, ó filha
De teu pai vivo apartada.

Viram-na as suas irmãs
Espreitando à janela
E com receio a seu pai
Nada fizeram por ela.
Deus vos salve, ó irmãs minhas
E tenha mercê de mim
Dai-me uma sede de água
Que me estou finando assim.
Não te daremos a água
Irmã nossa, tão honrada
Nosso pai nos avisou
Cruel castigo nos dava.

Dai-me água, senão morro
Implorava a infeliz;
Quem seus gemidos ouvia
Ninguém fala, ninguém diz.

Passou por ali seu pai
A ver como ela ia
Mas seu coração de pedra
Não viu que ela morria.
Deus o salve, ó meu pai
E tenha mercê de mim
Por amor d’Ele lhe peço
Um copo de água por fim.
Dava-te mais do que água
Dava o mais fino licor
Mas recusaste teu pai
Não quiseste o seu amor.

Amor de um pai queria
Mas amor de pai não tive
Que de um amor como o seu
Eu peço a Deus que me livre.

Ao ouvir estas palavras
Ainda mais se zangou
E mandou buscar a água
Que a filha lhe rogou.
Quando o criado lha trouxe
Ele à moça a mostrou
E de coração fechado
Pelo chão a derramou.

Este golpe doloroso
Não pôde mais suportar
E deixou-se adormecer
Para a morte a vir buscar.

Vieram anjos do Céu
Cobriram-na em branca veste
O pai caiu de repente
Coberto em chagas e peste.
Levam os anjos o corpo
Da filha, que foi p’rò Céu
O pai cá ficou penando
Pela morte que lhe deu.

Disse um anjo àquele pai:
A morte a santificou
E só não vais p’rò Inferno
Porque ela por ti rezou,
Mas ficarás cá na Terra
P’ra tuas penas penares
Padecerás sete anos
Vezes sete e a dobrar.
E esse pai desgraçado
Que à sede a filha matou
Ficou coberto de chagas
E a peste nele entrou.

Toda a boca era uma chaga
E a garganta também
A comida não passava
Nem a água passa bem.
Nada podia comer
Nada podia engolir
Padecia fome e sede
Sem ninguém lhe acudir.
Tantas penas padeceu
Por tempo determinado
Que implorava p’la morte
Que lhe teria agradado.

Sete anos se passaram
Vezes sete e a dobrar
O conde das três Marias
Suas penas a penar.

Toda a gente se espantava
De tanto tempo durar
Já a família morrera
Tinha ido a enterrar,
Só o conde não morria
Parecendo imortal;
Muito passava dos cem
A sofrer penoso mal.

Ao terminarem os dias
Que o anjo determinara
O conde das três Marias
Já o seu crime pagara.
Nesse dia de manhã
Rogou como costumava
Por uma sede de água
Mas a água não passava.

Viu aproximar-se a filha
A que tanto padecera
Trazia nas mãos um jarro
Por onde ninguém bebera.
Deus te salve, ó filha minha
E tenha mercê de mim
Dá-me uma sede de água
Que me estou finando assim.
Dar-lhe-ei eu desta água
Ó meu pai que me criou
Venho-lhe matar a sede
Que Deus já lhe perdoou.

Ao ouvir a voz da filha
O conde muito chorou
E pediu que o perdoasse
Do modo como a matou.
Eu lhe perdoo, meu pai
Há muito que o perdoei
Deus lhe perdoou também
Que eu por si muito rezei.
Obrigado, filha minha
Pelo perdão que me dás
É só do que eu preciso
P’ra poder morrer em paz.

Bebeu o conde do jarro
Que a filha lhe trazia
Quando acabou de beber
De sede já não sofria.
Deitou os olhos ao Céu
A filha lhe deu a mão
Ouviu os anjos cantando
Recebeu de Deus perdão
A alma foi para o Céu
Logo nessa ocasião.

Felipa Monteverde